terça-feira, 4 de setembro de 2018

Mãe!

Assisti Mãe! (2017) de Darren Aronofsky no TelecinePlay. Eu tinha uma certa resistência em ver esse filme pelas inúmeras críticas negativas, mas principalmente por ouvir falar que tinha religião, mas Mãe! é muito mais que isso, é absurdamente complexo, um filme que me deixou impactada e que devo ficar assim por muito tempo.

Mãe! permite inúmeras interpretações e  li uma entrevista com o diretor onde ele se divertia com as inúmeras visões que os jornalistas da coletiva tinham tido com o seu filme, mas há uma questão, a que acho mais impactante, que passa a ser fundamental para debatermos nos dias de hoje. Na entrevista o diretor fala da indiferença há duas questões ambientais no Canadá e Estados Unidos, mas que você traz a questão para dentro de sua casa, quando pessoas entram na sua casa sem você convidar e queimam o seu tapete, as pessoas ficam indignadas. E é esse o grande trunfo de Mãe! Colocar a terra como uma mulher constantemente violentada, desrespeitada, invadida, dentro de sua intimidade, dentro de sua própria casa. A terra é a casa e nós invadimos sem a menor cerimônia, mudando como bem entendemos a casa do outro.

No finalzinho que eu achei que a protagonista era a terra e tudo se encaixou junto com a perplexidade. As relações bíblicas são alegorias para contar a história. Um casal está arrumando a casa que já tinha sido totalmente destruída por um incêndio. A protagonista cuida de cada detalhe, enquanto um marido narcisista, egoísta e egocêntrico a ignora por completo. Talvez aí o ódio de muitos para esse filme já que esse homem pode ser deus. Até que o diretor não errou muito com essa imagem de deus que tudo vê e nada faz, um verdadeiro omisso que adora ser idolatrado e pouco se importa com o resto, inclusive pouco se importa com a terra. E se existe não é mais ou menos assim? As crianças continuam morrendo de fome no mundo, na Etiópia, nas travessias de fugas de imigrantes e se existe alguém que "olha por nós", porque continuam morrendo? O homem tem a mesma arrogância quando a terra cobra dele alguma proteção, alguma posição. Ele sempre a menospreza, maltrata e a violenta, mas ele vai muito mais longe, um verdadeiro monstro.
 As pessoas vão entrando nessa casa sem pedir autorização ou dizem que o marido convidou e vão usando tudo, quebrando tudo e pasmem, até pintando a casa porque viram a tinta... Ela fica indignada, mas todos riem, ou reclamam dela e continuam. Ela diz que a casa é dela e todos riem. E não é como fazemos com a terra? Compram uma fazenda e a primeira coisa que fazem é derrubar todas as árvores, inúmeras raras e centenárias. Constroem uma casa e aí plantam umas poucas árvores onde poucas vão sobreviver como "reposição". Mas se enjoam da casa naquele lugar, destroem tudo de novo, tiram as árvores de novo e plantam outras de novo depois em outro lugar. Mas fora esses exageros monstruosos, o que cada um de nós faz por essa casa de outra pessoa? Realmente simbolizar a terra na casa de alguém fica tudo mais claro. A convidada deixa inúmeras cascas de limão espalhadas pela cozinha com inúmeras outras sujeiras e a "terra" que limpe. E a pia que não estava soldada? Ela avisa várias vezes  para não sentarem nela e riem dela. E o quanto rimos de quem fala para cuidarmos melhor do planeta, quantos já vi rirem quando você fala pra não jogar lixo no chão. E voltamos de novo para nossas pequenas ações, o quanto consumimos lixo e jogamos "lá fora", no próprio planeta.
As referências bíblicas foram as que menos interessaram. Elas permitiram a história ter um roteiro, Adão e Eva, Caim e Abel, e no final o apocalipse. O diretor falou ainda que tinha o sacrifício de Jesus e outras referências, mas é o de menos. Servem para mostrar como o homem tudo invade, como cada um de nós não respeita a nossa casa que é a terra que de forma tão generosa nos acolhe. A terra é a Mãe que tenta a todo custo preservar a casa, cuida, cozinha, ama e nós só usamos, destruímos. No "apocalipse" os homens matam uns aos outros sem explicações claras. E o parto? É insuportável. Ela está em trabalho de parto e continua sofrendo violências, não é protegida, a empurram, a agridem. O filme é contundente demais, insuportável demais, como somos desumanos. Qual a parcela de culpa de cada um de nós para a destruição da terra? No filme há os monstros, os radicais, mas eu fiquei desconfortável várias vezes e me perguntava o que eu fazia para proteger a terra? Nunca vou esquecer esse filme.
 Todo o elenco está impressionante. Que incrível a atuação da Jennifer Lawrence. Como Javier Bardem está insuportável como esse homem omisso, agressivo e assassino. Os personagens do Ed Harris e da Michelle Pfeiffer também dão vontade de esganar. Ela pede que não fumem na casa, ele finge que aceita, mas continua fumando, até mesmo na cara dela. E a esposa ridiculariza o tempo todo a anfitriã. Fala mal de tudo, o quanto não reclamamos do que ganhamos de graça da terra? 

Beijos,
Pedrita

18 comentários:

  1. Quero ver este filme também, pensava que o veria agora, que estreou nos canais pagos, mas perdi a estréia. Logo que soube dele também entendi que a tal mãe era uma alegoria para algo maior.
    Vejo a questão do mal com relação a Deus do seguinte modo: acho que a intervenção direta de Deus, nas questões que você colocou (sofrimentos de inocentes, fome, etc.) resultaria na quebra do livre arbítrio humano, pois os seres humanos é que causam as malignidades existentes na Terra (e é muito possível, como muitos sábios acreditam, que até mesmo os males naturais, como os terremotos, as explosões de vulcões, etc. sejam impulsionados pelas energias negativas da humanidade). Por outro lado, a Terra tem o suficiente para todos, mas alguns tomam a maior parte para si, doa em quem doer.
    A existência do mal no mundo - resultado direto da ação humana - tornou-se - digamos - 'necessária' para que a gente entendesse que também o bem (a beleza, a bondade, a justiça, a esperança, o bom senso...) poderiam não existir do modo como o conhecemos, o mundo podia perfeitamente ser um campo de guerras eternas, em que a gente mal pudesse respirar, que dirá experimentar alguma felicidade. No entanto, todos conhecemos pessoas que tendo vivido em grande penúria material, dor ou sofrimento moral, relatam ter - a despeito de tudo - experimentado alegrias.
    De resto, há muitas questões no mundo que não compreendemos: Não sabemos de onde viemos nem se vamos para algum lugar, depois que morremos (refiro-me à nossa consciência, conhecimento e experiencias).
    Também não entendemos o tempo, que é um elemento fundamental de nossas vidas; pode ser que o tempo que experimentamos, que muitas vezes, nos parece muito longo, especialmente quando é preenchido por coisas difíceis de suportar, não passe de instantes, se contraposto a outro tempo, que desconhecemos. Enfim, acho que essa questão é muita complexa.

    Beijoca

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. marly, cada um interpreta como quer. mas no filme deus é desprezível. talvez fosse melhor não existir mesmo para ser aquele homem horrível.

      Excluir
  2. É uma experiência bizarra com diversas referências a fatos bíblicos e simbolismos religiosos.

    É mais polêmico do que um grande filme, mas não chega a decepcionar.

    Bjs

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. hugo, eu achei incrível. as referências bíblicas se tornam desnecessárias. eu preferi focar no q a humanidade é capaz de fazer com a terra.

      Excluir
  3. Comecei a vê o filme mas não terminei.
    Depois dessa sua resenha, vai ser difícil continuar.
    Não vi, até onde vi, esse simbolismo.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. liliane, eu cheguei a conclusão que a mãe seria a terra no final. mas os outros simbolismos achei desnecessários. a parte ambiental já é tema suficiente para reflexões sobre o que fazemos com o planeta.

      Excluir
  4. Gosto muito dos dois atores, mas ainda não vi.
    big beijos
    www.luluonthesky.com

    ResponderExcluir
  5. Tenho certa curiosidade de conferir apesar das críticas.

    Beijos,
    Pri
    www.vintagepri.com.br

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. pri, eu não ia ver até ver que era suspense. mas vale ver. não é um filme fácil.

      Excluir
  6. Olá, querida Pedrita!
    Pela resenha eu assistiria, fique curiosa.
    Há muitas coisas acontecendo que estão na Bíblia.

    Beijinhos

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. andréa, o diretor usa a bíblia como fio condutor da trama.

      Excluir
  7. Olá Pedrita
    Mesmo com muitas avaliações negativas, estava curiosa com esse filme, e fiquei ainda mais instigada depois da sua resenha.
    Excelente resenha como sempre.
    Bjs Luli
    https://cafecomleituranarede.blogspot.com.br

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. luli, como falaram que tinha religião não ia ver. mas depois vi suspense e fiquei curiosa. a parte de meio ambiente é muito impactante. obrigada.

      Excluir
  8. Na primeira vez eu não aprovei muito, mas após entender as metáforas, passei a gostar bastante. Belo texto Pedrita! Comentei sobre esse filme aqui: https://consideracoessobrefilmes.blogspot.com/2017/12/mae-2017.html

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. josé, as metáforas foram o q menos me interessaram. gostei muito da mãe ser a terra e o q fazemos com ela.

      Excluir
  9. Complexo o texto e ainda mais quando o título seja algo forte e impactante de triste: MÃE.
    BJ.

    ResponderExcluir

Cultura é vida!