O marcador de livros é em feltro e lã.
Eu gosto muito como a jornalista escreve e seu apuro investigativo. Ela começa a obra no dia do rompimento da barragem, 25 de janeiro de 2019 com os funcionários se dirigindo ao trabalho, pegando o ônibus, encontrando os colegas, encomendando pastéis com o colega do ponto adiante, falando dos seus trabalhos do dia. E vai mostrando outros funcionários, o que iam fazer. Os trabalhadores falam o tempo todo dos inúmeros protocolos que dão a falsa sensação de segurança.
Até que a barragem se rompe e em minutos vai arrasando tudo. Os bombeiros começaram a ir de onde estavam ao local, depois outros bombeiros de outros estados também seguiram pra lá. Os bombeiros de Minas Gerais estavam com os salários atrasados, mas mesmo assim foram incansáveis. Com salários baixos, muito menos do que a função perigosa merece, nem o pouco que recebem é honrado. Enquanto os que distribuem as verbas só enriquecem. Eu acompanhei pela televisão esse resgate de helicóptero, é uma mulher que está sendo resgatada. Procurei inclusive o vídeo. Foi a TV Record que filmou enquanto eles tentavam tirar a mulher repleta de rejeitos, que escorregava. Chorei de novo. Os rejeitos faziam os acidentados pesarem muito mais, além de escorregarem. Foi muita agonia. Eu sofri demais com a leitura. Em um determinado momento eu resolvi ir até o fim de uma vez, terminar logo, para acabar logo aquele sofrimento. Passei então finalizando o livro no fim de semana.Eu acompanhei muito na época as investigações, e o livro se aprofunda ainda mais. Em junho de 2018, a empresa que fez a avaliação para dar o laudo disse que estava longe do aceitável. A barragem tinha que ser interditada imediatamente para ações de contenção. A Vale se recusou, usou o laudo anterior que está aceitável e continuou os trabalhos. Descobriu-se depois que duas empresas antes se recusaram a dar o laudo que estava aceitável e foram trocadas. Na avaliação, avisaram que os rejeitos cobririam as regiões rapidamente, que o administrativo e o refeitório seriam soterrados, No dia 25 ao desastre, era hora do almoço, e o refeitório estava lotado, todos morreram. Em 2018, a Vale ignorou, colocou o laudo como aceitável e continuou trabalhando, não podiam parar os trabalhos e as extrações. A jornalista conta também a enxurrada de indenizações que geraram um número enorme de moradores de Brumadinho que surgiram se dizendo ser do local. E vidas não se indenizam. Até hoje a flora e a fauna contém alto índice de rejeitos de minérios, tudo foi destruído. 270 pessoas morreram, algumas levaram anos pra ser encontradas, ainda há desaparecidos. O livro fala do trabalho do IML, da dificuldade em descobrir quem eram as pessoas. Com o tempo ficou pior, porque só se achavam pedaços. Agora mesmo há uma investigação internacional de uma das empresas que trabalham com a Vale. Vi uma entrevista de um acusado dizendo que já tinha sido realizada no Brasil, não tinha sentido ser feito fora do país. Ah, nenhuma investigação será suficiente. E a impunidade no Brasil é notória. Sabiam e mataram 270 pessoas, só pagaram indenizações, os responsáveis não foram presos. A lei no Brasil não é igual para todos.
No último capítulo, Daniela Arbex conta como chegou até escrever o livro. Ela é de Minas Gerais, vivia em Juiz de Fora e no dia do rompimento da barragem seguia para o Rio Grande do Sul porque escrevia o livro da Boate Kiss. No caminho começou a receber uma enxurrada de notícias de Brumadinho. Voltou para Juiz de Fora, falou com o jornal impresso que trabalhava, mas já era época do fim dos jornais e não tinham recursos para enviá-la a Brumadinho. Familiares de vítimas da Boate Kiss ajudaram nos custos e ela seguiu para Brumadinho. Fez a primeira matéria com foco nos familiares que aguardavam informações de seus entes queridos. Os familiares nunca aceitaram a palavra desaparecidos, porque todos sabiam onde eles estavam, embaixo da lama de rejeitos. Pelo livro da Boate Kiss, Daniela falou com a Intrínseca, disse que estava em Brumadinho e eles disseram que só ela poderia relatar o ocorrido e fazer um livro. Um ano depois veio a pandemia, ainda tinham corpos sem localização. Ela tomou todos os cuidados, mas continuou o trabalho. Até saber que seu irmão, sobrinhos, estavam com Covid. Uns dias depois todos estavam bem, exceto seu irmão, saudável e jovem, foi hospitalizado, intubado e morreu 8 dias depois. Lidando com o luto, ela passou a sentir mais ainda a indignação dos familiares e focou muito o livro no relato dos irmãos pela trágica sinergia que passou a sentir. Daniela e o irmão eram muito unidos, se apoiavam profissionalmente. Ele chegou inclusive a fazer o documentário do livro Holocausto Brasileiro que comentei sobre o livro aqui.
Ao final, o livro traz a lista dos 270 mortos e suas profissões.
Desde o desastre de Mariana e suas impunidades eu acompanho matérias sobre o tema. Só recentemente, dez anos depois, é que os desabrigados de Mariana receberam suas casas. Iguais aqueles condomínios pavorosos que vimos em Central do Brasil. Mariana era uma área rural e a cidade fantasma é urbana, sem nada em volta, só casas.Sobre o desastre de Mariana tem aqui o texto do documentário Vozes de Paracatu e Bento da GloboNews.
Sobre a mineração, suas impunidades e destruição do meio ambiente tem o documentário Lavra.
Beijos,
Pedrita






























